DEUS NA OBRA DE RAUL

12-08-2010 00:33

   Quando Raul morreu, muitas missas foram rezadas por ele (inclusive uma na Catedral da Sé, em São Paulo, onde o padre leu um poema e São Francisco de Assis, cuja autoria é atribuída a Raul Seixas). Na contra-capa da coletânea lançada pela Sony Music - O Início, o Fim e o Meio (1992) , o próprio Paulo Coelho encerra sua homenagem ao ex-parceiro com algumas palavras de São Paulo que Raul teria sempre mencionado . Na verdade, quando em 1975 foi lançado o LP Novo Aeon e o assunto foi ventilado, Raul declarou em alto e bom som que:

                  A verdade é que Jesus Sempre Está em Minhas Músicas


Sim, sem dúvida. Mas está Como? Aqui neste trabalho, com praticamente toda a obra de Raul Seixas na mão, podemos verificar isso imparcialmente, tranqüilamente e sem essa ingênua esperança de que o filho prodígio - a ovelha negra - retorne ao rebanho. Pois que não se trata nem de uma ovelha, mas de um bode negro que encerrou sua obra com um disco chamado Panela do Diabo . Ele mesmo tomou todas as providências para que isso acontecesse:

                    Diz que o paraíso já ta cheio também

                     Vou levar um "lero" com o diabo ,

                Antes que o inferno fique cheio também.

Nos tempos de Galileu Galilei, a Inquisição fazia questão de que o herege primeiro se arrependesse, para depois ser torrado na fogueira. Quando não conseguiam isso através de promessas de libertação ou qualquer outra sedução, tomavam outras providências. Se, por exemplo, o infiel já tivesse morrido há muito tempo, eles providenciavam um boneco e tocavam fogo (daí essa prática até hoje de queimar o Judas na Semana Santa). Não sem antes fazer uma Confissão e um arrependimento simbólicos. Nós somos um país eclético, mas é preciso manter um mínimo de respeito pelo papel de cada um. Eu acho que o Padre que leu o poema de Raul Seixas na Catedral da Sé deve entender pouco da obra do roqueiro. Senão ele naturalmente conheceria uma música que se chama Só prá Variar , onde Raul diz:

Antes d`eu me confessar com o padre , neném

Vou comer três quilos de cebola!

Vejo de perto o Papa - ai que luxo, meu bem!

Vou rasgar dinheiro, tocar fogo nele

Só prá variar!

Mas falemos de Jesus Cristo, que agora estará para sempre na obra de Raul Seixas. Podemos começar por Judas, uma brilhante sacada da Dupla Raul / Paulo Coelho, em 78, no LP Mata Virgem. Quem assistiu ao filme A Última Tentação de Cristo, deve se lembra do diálogo entre Judas e Cristo, onde eles combinaram o papel de cada um (papel este ao qual eu pedi respeito momentos antes). No belíssimo filme - que por sinal alvoroçou a Inquisição no mundo todo, Jesus diz para Judas alguma coisa como “A mim coube a parte mais fácil, que é ser pregado na cruz. A você, a mais difícil, que é ser o traidor! Você é o mais capaz, o mais forte e o escolhido!”

Na verdade, uma compreensão mais ampla de um diálogo desse exige um pouquinho de sensibilidade. Mas o que vejo de importante nisso é que a música Judas foi feita muitos anos antes do filme (a voz , no início, que pergunta “Ei, quem é você?” é do Paulo Coelho ) . A letra diz:

Parte de um plano secreto

Amigo fiel de Jesus

Eu fui escolhido por Ele

Para pregá-lo na cruz.

Cristo morreu como um homem

Um mártir da salvação

Deixando prá mim seu amigo

O sinal da traição

 

    Mas o filme é coisa de "cinema de arte" e estas sofisticações. Vamos falar de coisas mais alegres. Na música S.O.S Raul pede socorro aos discos voadores. Mas, além de pedir socorro externo, ele insinua que andou perdendo um tempo danado quando diz:

Andei rezando para Tótens e Jesus

Jamais olhei pro céu

Meu  disco voador, além...


Em Novo Aeon, Raul dá mais uma idéia do que é a Sociedade Alternativa:

Sociedade Alternativa, Sociedade Novo Aeon

É um sapato em cada pé

Direito de ser ateu e de ter fé

(...)

Direito de ter riso de prazer

E até direito de deixar Jesus Sofrer!


Também em Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás é muito curiosa a estrofe que engloba o Cristianismo. Observem, porque aqui também se exige um pouco mais de atenção:

Eu vi Cristo ser crucificado

O amor nascer e ser assassinado.

Eu vi as Bruxas pegando fogo

Prá pagarem seus pecados!

  Em Al Capone, apesar dele mesmo também não ter abandonado o palco , recomenda:

Hei, Jimi Hendrix, abandona o palco agora

Faça como fez Sinatra, compra um carro e vai embora.

Hei, Jesus Cristo, o melhor que você faz

É deixar o pai de lado, foge prá morrer em paz.

  Em Cowboy fora da Lei, ele diz:

Oh! Coitado! Foi tão cedo!

Deus me livre, eu tenho medo:

Morrer Dependurado numa Cruz!

  Por outro lado, Raul busca outros aspectos do universo religioso. Em Baby:

A madre da escola te ensina

A reconhecer o pecado

E o que você sente é ruim

Mas, baby:

Deus não é tão mau assim!

  Em Paranóia ele descreve a tragédia emocional que a educação religiosa consegue fabricar no coração das crianças, com a idéia de que Deus vigia em todos os lugares. Na música Eu sou Egoísta (versão original), ele declara enfaticamente:

Onde eu estou não há sombra de Deus

Portanto, se o Raul a estas alturas está andando de disco voador por aí, naturalmente não será naquela esquadrilha do palestrante de Brasília em 1983.

 

 

 

 

 

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