O DIABO NA OBRA DE RAUL

12-08-2010 00:37

     Esta figura tão repugnante para alguns, na verdade, é a representação simbólica do universo, segundo as tradições esotéricas. As tradições esotéricas são muito antigas, muito anteriores ao surgimento da nossa cultura e do Cristianismo. Naquele tempo não havia nem necessidade de ecologia, porque os seres humanos não estavam separados da natureza. Não existiam conceitos como o de amor livre, pois o sexo não era uma doença da qual as pessoas precisavam se libertar. Normalmente as pessoas se casavam no início pra primavera, época do renascimento, florificação, fertilidade. Em muitas culturas o bode foi escolhido como o animal que melhor representava a primavera, divido à sua extraordinária capacidade sexual. Ou capacidade criadora.

Para quem gosta de informações que não estão normalmente nos currículos escolares, existem estudos muitos sérios sobre isso. Na Mitologia Grega , por exemplo , nós temos o deus Pan - deus da alegria, da flauta , da música, da primavera, que foi um dos elementos que a tradição mística incorporou para formar a figura ao lado reproduzida.

    Para simplificar e só por curiosidade, a figura tem entre os chifres a tocha, que simboliza a Quintessência ; os chifres representam a força da natureza, nos braços está escrita a fórmula Solve et Coagula (dissolver e coagular , as forças antagônicas do Universo). Os braços são masculinos e os seios são femininos, numa androgenia que também representa as duas forças antagônicas e complementares. Embaixo dos seios tem pernas que representam os seres alados e no ventre tem escamas que representam habitantes dos oceanos. O véu cobre o mistério da Criação, de onde emerge o Caduceu (o mesmo de Hermes Trismegisto, símbolo da Medicina) , que é o Phallus erecto, com as duas serpentes também antagônicas, uma de ouro e outra de prata. O semicírculo representa o Cosmos. As asas negras representam o véu noturno, o manto de estrelas da noite.

Uma das mãos aponta para cima e outra aponta para baixo, como se estivesse dizendo: O que está em cima É como o que está embaixo (não é igual, mas é como..) . E assim outras muitas simbologias que não cabem neste espaço.

     Quando os muitos movimentos políticos-religiosos como as Cruzadas e outros - encontraram (e quase sempre dizimaram) essas culturas primitivas eles não conseguiram fazer com Pan o que sempre faziam com os outros deuses (ou seja, eles sempre criavam um outro deus semelhante para dizer que era a mesma coisa. Assim, hoje na Umbanda, por exemplo , existe uma Entidade para cada Santo da Igreja. Até Jesus Cristo). Além do Pan tinha uma coisa extremamente inconveniente que era o amor à Vida, à Natureza e principalmente ao Sexo. Então ele foi identificado com o inimigo, o representante das forças do mau. Pintaram-no de vermelho (que é sangue, sexo, coração) e lhe deram vários nomes que são hoje muito depreciativos: Diabo, Satanás, Coisa-Ruim, Cão, etc...

Por outro lado, mesmo quem é cristão tem um pouco mais de conhecimento da simbologia religiosa sabe que Lúcifer quer dizer o Filho da Luz ou Aquele que Traz a Luz. Lúcifer é realmente a estrela caída, o Lógos encarnado, o Adão expulso do paraíso ou nós mesmo aqui na face do planeta. Mas sabe também que comer a maça significa Toma a Consciência de Si, adquirir a luz do conhecimento. Para a cultura religiosa, este foi o grande pecado. Mas para a cultura esotérica essa foi a grande virtude do primeiro homem. E neste ponto está o cerne de uma das mais importantes questões culturais de nosso tempo.

Falemos agora de Raul Seixas e uma de suas músicas mais polêmicas: Rock do Diabo (em parceira com Paulo Coelho). A música é clara:

Enquanto o Freud explica,

O diabo fica dando os toques.

Existem dois diabos

Só que um parou na pista:

Um deles é o do Toque,

O outro é aquele do Exorcista.

O que é um toque? Toque não é um conselho. Toque não é explicação. Toque é uma coisa muito inteligente e que fala ao coração. Quem explica é Freud. O diabo (ou inteligência Manifesta) dá os toques. Mas existe uma caricatura que a própria Igreja inventou para que os seus próprios exorcistas pudessem combater. Ou seus próprios seguidores pudessem temer e odiar. Ou até adorar, por que não? E assim apareceram também os Adoradores do Diabo.

Voltaremos a Carl Gustav (por sinal discípulo dissidente de Freud). Nós o citamos falando de Construções Psíquicas, ao se referir aos discos voadores. O conceito aqui também é aplicável. Imaginem milhares de anos de doutrinação, formando no Inconsciente Coletivo das multidões a imagem do diabo, e uma doutrinação violenta, misturando fantasia, interesses econômicos e muito atraso. Tudo isso temperado com a tremenda força teatral de milhares de pessoas sendo queimadas nas fogueiras. Doenças, acidentes, intempéries, tudo era associado ao diabo. E ainda é até hoje.

     Dentro desse campo de miséria social, miséria econômica, miséria emocional, miséria evolutiva, não poderá deixar de surgir Adoradores do Diabo. Ou seja, pessoas que - frustradas com a hipocresia de tudo que se relaciona com o Céu e seus representantes - procuram ajuda no outro lado e passam a acender velas pro Diabo. E não é preciso Jung para vermos a que Confusão Mental pode chegar qualquer pessoa envolvida nisso.

Por causa desta música (Rock do Diabo) e da forma irreverente com que travava todas as formas de religião e o poder civil e militar, Raul foi confundido com um mero adorador do diabo, anarquista e um cara muito doido.

 

 

 

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